Como a literatura em família fortalece vínculos entre escola e responsáveis?
20 de agosto de 2025
Não foi a reunião de pais que aproximou o pai de Chico. Foi uma Lua cheia. Ou, melhor, a lembrança dela. Bastou um filho curioso, uma pergunta persistente e uma história guardada no tempo para criar ali um momento raro e transformador. É assim que Lua Dourada, de Luiz Antonio Aguiar, começa. Mas poderia ser a história de muitas famílias. Esse é o tipo de encontro que a literatura em família pode provocar: conversas inesperadas, memórias despertas, afetos reorganizados.
Na prática, o incentivo à leitura pode parecer mais um item entre tantos do planejamento pedagógico. Porém, quando bem cultivado, ele se transforma em um elo afetivo potente entre escola e família. É nesse espaço de escuta e imaginação que surgem experiências capazes de transformar o estudante e todos ao seu redor.
Leitura em casa não é tarefa, é reencontro
A leitura compartilhada não exige muito. Um sofá, alguns minutos e um livro que convide ao afeto. Ainda assim, muitos responsáveis se sentem inseguros. Não sabem que tipo de mediação fazer, acham que precisam “ensinar” algo ou têm medo de não entender a mensagem. É por isso que a escola tem o papel de ir além da sugestão de títulos e oferecer caminhos para que essa leitura aconteça de forma viva, sensível e acessível.
Um bom exemplo é o livro Palavra de Filho, de Jonas Ribeiro. Nessa história tocante, as cartas que um garoto escreve ao pai, sem nunca dizê-las em voz alta, provocam uma reviravolta na relação entre os dois. É o tipo de leitura que funciona como espelho. O leitor adulto se vê ali, na dificuldade de expressar sentimentos. O leitor jovem também. E, entre uma página e outra, nasce uma conversa que talvez nunca tivesse acontecido.
Clube de literatura em família? Sim, e funciona
Em algumas escolas, a ponte entre literatura e família ganhou formas mais organizadas. Clubes de leitura com encontros mensais, rodas de conversa sobre temas dos livros lidos em casa, eventos nos quais os pais são convidados a ler com os filhos e compartilhar memórias que um livro despertou.
São iniciativas simples, mas que geram impactos reais. As famílias passam a ver a escola como espaço de troca e afeto, e não apenas de exigência e boletins. Os estudantes, por sua vez, reconhecem a leitura como algo que atravessa os muros escolares e que pode unir diferentes gerações.
Nesse sentido, Luz dos Meus Olhos, de Celso Sisto, é um livro precioso. Ao contar a história de uma menina cujo pai possui uma deficiência visual, o autor convida leitores de todas as idades a enxergarem com sensibilidade os afetos que sustentam uma casa. Não se trata de lição de moral, mas de empatia. E é nesse terreno que a escola pode semear: promover rodas de leitura em que pais e filhos reflitam juntos sobre temas como aceitação, escuta e cuidado.
Literatura como espelho e janela
Por vezes, é justamente ao olhar para fora que famílias se aproximam. O livro As Outras Pessoas, de Ivan Jaf, mostra isso com clareza. A história de um pai e seu/um filho que se mudam em busca de recomeço, e encontram em uma nova comunidade desafios éticos e emocionais, abre espaço para discussões importantes sobre responsabilidade, amadurecimento e justiça. O que fazemos diante da dor do outro? Como lidamos com o inesperado? Que valores queremos ensinar?
Essas são perguntas que não têm resposta pronta e que ganham força quando pensadas em conjunto. Ao propor leituras como essa para casa e promovê-las como tema de encontros escolares, a escola amplia seu papel: torna-se mediadora de vínculos, ponte para o diálogo, espaço de desenvolvimento coletivo.
Silêncio cheio de escuta
A literatura em família não precisa explicar tudo. Ela não precisa encerrar as conversas, ao contrário, seu valor está em abri-las. E, ao fazer isso em parceria com a escola, ela constrói algo mais profundo do o hábito de leitura. Constrói uma cultura de escuta, de afeto, de convivência.
Nem sempre a presença dos responsáveis será constante. Nem todos conseguirão comparecer a rodas ou eventos. Mas mesmo assim, mesmo quando só um bilhete com sugestão de leitura chega em casa, mesmo quando só uma conversa nasce depois do dever de casa literário, alguma coisa já mudou.
E é assim, aos poucos, que se faz literatura em família: abrindo espaço, oferecendo escuta e apostando na força de uma boa história para aproximar mundos.