Diversidade linguística na escola: por que acolher vozes é ensinar mais
23 de outubro de 2025
Em poucas palavras: a diversidade linguística está presente em cada sala de aula do Brasil e negá-la é também negar a identidade dos estudantes. Quando o educador acolhe os sotaques, expressões e ritmos de fala de seus alunos, ele ensina pertencimento, respeito e cidadania.
Toda escola tem um sotaque. A sua reconhece o próprio?
“É ‘mermo’ ou ‘mesmo’?”
“Ocê vai ou você vai?”
“Tri bom ou muito bom?”
A escola brasileira ainda carrega a marca de uma tradição que silencia vozes. Silencia sem gritar. Apenas torcendo o nariz, corrigindo com aspereza, rindo de quem fala diferente ou apontando erros onde só há variação. O preconceito linguístico não precisa ser explícito para ser violento e ele costuma se disfarçar de correção gramatical.
Mas, na sala de aula, toda fala carrega uma história. Uma criança que diz “nóis vai” não está errando: está refletindo um sistema linguístico vivo, legítimo, socialmente marcado, muitas vezes herdado de gerações que nunca foram ouvidas de verdade. É nesse ponto que o professor encontra o dilema e a oportunidade. Ensinar normas sem negar raízes. Corrigir sem apagar. Incluir sem padronizar.
A ambivalência é clara: como educar sem silenciar? Como normatizar sem excluir?
Quando o sotaque vira conteúdo: o que a BNCC propõe?
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) reconhece a linguagem como prática social. Desde a Educação Infantil até o Ensino Médio, o documento orienta para que o ensino da língua considere as múltiplas formas de falar e escrever, incluindo as variações regionais, sociais e culturais.
Em vez de impor um “português padrão” como forma única e neutra, a BNCC propõe que os estudantes desenvolvam consciência linguística, aprendendo a transitar entre diferentes registros e reconhecer os contextos de uso da linguagem.
Isso significa que a diversidade linguística não deve ser tolerada como exceção, mas acolhida como ponto de partida para o ensino da língua. Uma aula que discute sotaques, regionalismos, dialetos e gírias está ensinando vocabulário, mas também está ensinando escuta, leitura crítica do mundo e valorização da própria identidade.
Práticas pedagógicas para acolher vozes na escola
Sabemos que a prática na rede pública é atravessada por desafios reais: tempo apertado, múltiplas turmas, materiais nem sempre ideais. Ainda assim, pequenas mudanças de postura podem gerar transformações duradouras. Abaixo, algumas práticas concretas que acolhem a diversidade linguística no cotidiano escolar:
1. Tratar a linguagem como forma de identidade
Estimule os alunos a falarem sobre suas origens e sobre como se comunicam em casa. Isso pode ser feito em rodas de conversa, entrevistas com familiares ou atividades que mapeiem as expressões locais da comunidade.
2. Corrigir sem constranger
Ao corrigir oralmente um estudante, evite deslegitimar sua fala. Em vez de “não é assim que se fala”, prefira “essa é uma forma muito comum de dizer, mas neste contexto usamos assim…”. O objetivo não é apagar a variação, mas ampliar o repertório linguístico do aluno.
3. Trabalhar textos com variações regionais
Explore cordéis, lendas locais, letras de músicas regionais e outros gêneros que tragam os sotaques para o centro da aula. Aproveite essas produções para discutir oralidade, escrita, variação e norma padrão de forma contextualizada e respeitosa.
Para isso você pode contar com as obras da Editora do Brasil, como Cordelendas – histórias indígenas em cordel e O encontro da cidade criança com o sertão menino.
4. Combater o preconceito linguístico com informação
Promova debates, seminários ou campanhas internas sobre o preconceito linguístico. Mostre como ele se relaciona com exclusão social, racismo e desigualdade. Estudantes precisam saber que linguagem é também poder.
5. Valorizar o sotaque como riqueza cultural
Reforce com os alunos que seu jeito de falar é parte da sua identidade. Quando o educador valoriza o sotaque de um estudante, está dizendo: “sua voz tem lugar aqui”.
6. Explorar a diversidade linguística com recursos interativos
Sites como o Localingual permitem que os alunos escutem como se fala o português (e outras línguas) em diferentes regiões do Brasil e do mundo. Use esse recurso para criar mapas sonoros, promover comparações entre sotaques e valorizar a riqueza oral do país. Pode ser o ponto de partida para projetos interdisciplinares com Geografia, História e Artes.
Educação é escuta: o que os sotaques nos contam sobre o Brasil
O Brasil não fala uma só língua. Fala muitas e não estamos falando apenas das mais de 274 línguas indígenas ou das dezenas de línguas de imigração. Estamos falando do português brasileiro em sua pluralidade viva: caipira, nordestino, sulista, amazônico, urbano, periférico, oral, poético, visual.
Cada variação carrega marcas de um território, de uma ancestralidade, de um contexto de resistência. Quando a escola decide escutar essas vozes com atenção, ela deixa de ser apenas transmissora de conteúdos e passa a ser espaço de reconhecimento. Ensinar, afinal, é também acolher o que o outro diz e como diz.
Perguntas frequentes (FAQ)
O que é diversidade linguística?
Inclui sotaques, gírias, dialetos e registros formais e informais.
Como trabalhar diversidade linguística na escola?
Promova atividades que valorizem os modos de falar dos alunos, corrija com cuidado, use materiais diversos e abra espaço para o debate sobre preconceito linguístico.
Qual a relação entre diversidade linguística e BNCC?
Isso inclui variações linguísticas e contextos culturais diversos, respeitando a identidade dos estudantes.
Corrigir o aluno significa desvalorizar seu modo de falar?
O ideal é ampliar o repertório linguístico dos alunos sem deslegitimar suas formas de expressão.